quarta-feira, 20 de março de 2019

Kalil chama Mineirão de "túmulo do Atlético" e evita avaliar gestão atual: "Esperar enfileirar canecos"

Foto: Guilherme Frossard
Ex-presidente do Galo conversa com o GloboEsporte.com, cita que "não é uma coisa ou outra" entre austeridade e títulos, explica - e sustenta - declaração de que "estádio é para rico"

De manhã, reuniões sequenciais com deputados, vereadores e empresários. À tarde, compromisso oficial com o lançamento de um projeto de segurança em postos de saúde de Belo Horizonte. Na "brecha" do almoço, nessa terça-feira, Alexandre Kalil, presidente mais vitorioso da história do Atlético-MG e atual prefeito da capital mineira, recebeu o GloboEsporte.com para uma entrevista exclusiva. O tema do papo foi o Galo, que completa 111 anos na próxima segunda. A agenda é cheia, o tempo livre é quase nulo, mas para Kalil é quase regra: sempre é hora de falar do Galo.

A entrevista de Alexandre Kalil foi no perfil Alexandre Kalil: sem papas na língua, como sempre. O ex-mandatário atleticano falou, por exemplo, sobre o sonho do Atlético-MG de construir seu estádio próprio - previsto para ser inaugurado no início da próxima década. Segundo ele, a casa nova tem tudo para ser a redenção do clube. Não só pela arena, mas também por "livrar" o Galo do Mineirão, definido, por Kalil, como "o túmulo do Atlético".

- Eu acho que o estádio do Atlético significa uma redenção, sim. Vamos sair, definitivamente, do túmulo do Atlético, que é o Mineirão. E aí é uma coisa definitiva. O Mineirão emperrou o Atlético por 44 anos, e em três anos, quando saímos do Mineirão, ganhamos tudo que o Atlético tem até hoje. A saída do túmulo, do cemitério, é uma grande vitória para o Atlético. E isso vai vir com o estádio novo.

A (forte) opinião de Kalil vai na contramão da recente postura da atual diretoria atleticana de reaproximação com o Mineirão. O Galo tem voltado a mandar jogos no Gigante da Pampulha, e Sérgio Sette Câmara já deu declarações garantindo que é a tendência é que o estádio volte a ser "a casa" do clube enquanto o estádio próprio não sai do papel. Kalil, que garante estar completamente distante da vida política do Atlético-MG e das decisões internas, prefere, também por isso, não opinar.

- Isso é uma decisão do presidente. Não cabe a mim comentar.

"Não ligo para saber de nada"
O distanciamento do Galo, de acordo com Kalil, é total. O prefeito é, agora, um mero torcedor. Daqueles que xingam, reclamam e, mesmo quando acham que está tudo errado, não ligam para o presidente - mesmo tendo, ao contrário do torcedor comum, essa possibilidade. Como torcedor, Kalil evita avaliar a gestão de Sérgio Sette Câmara, que está no seu segundo ano como mandatário alvinegro.

- Eu vou ser muito franco: não tenho a menor relação com o Atlético hoje. Não por briga, por nada. Primeiro, porque sou prefeito de Belo Horizonte. Segundo, que não vou ligar para o presidente para saber se é verdade que ele está contratando fulano. Se for verdade, vai chegar. Eu sei, fui presidente. Tudo que sei é através de vocês (imprensa). Não ligo para saber de nada. Eles não me ligam para perguntar nada. Tenho uma relação de torcedor, que é muito legal, porque ela não vem do dia que você sai do Atlético. Ela volta com o tempo de afastamento. E não tem nada melhor, depois que fui presidente, do que ser só torcedor. Poder xingar, gritar, reclamar, poder achar que está tudo errado ou tudo certo. Eu adquiri esse hábito de ser só torcedor com o tempo. E isso vai me afastando do Atlético cada vez mais - disse.

- Pra mim é muito difícil opinar (sobre a atual gestão), porque sou um ex-presidente. E não sou nenhum idiota de falar que não fui um presidente vitorioso. Acho que o resultado de uma presidência vem quando você desce a rampa da sede e vai embora. O exercício da presidência não admite um ex-presidente dar opinião sobre gestão. Temos que esperar ele descer da sede e enfileirar os canecos que ele vai deixar para nós, que é o que interessa para a torcida - completou.

Leia outras respostas de Alexandre Kalil

Como é o Kalil torcedor?

- Eu assisto todos os jogos do Atlético pela televisão, mas não frequento estádio desde que eu saí da presidência do Atlético, independentemente da prefeitura. Saí em 2014 e assumi a prefeitura no início de 2017. Nesses três anos eu também não frequentei estádio. Não me sinto confortável de frequentar, até porque, em uma ou duas vezes que eu fui, houve manifestações da torcida, muito carinhosas, e isso me incomoda um pouco. Tem um novo presidente, já tem dois depois de mim. O Atlético tem que caminhar com seus mandatários. E, graças a Deus, toda vez que eu apareço no estádio há uma manifestação muito grande, e me constrange.

Você sempre teve como prioridade de gestão o futebol e os resultados em campo. O atual presidente fala muito em austeridade, em equacionar o clube. Você acha que era necessário o clube ter um gestor que priorizasse os caixas? Estava na hora?

- Eu sempre disse que pagar dívida nunca me interessou, mas todas as dívidas que eu deixei estavam equacionadas. Um exemplo clássico é sobre o Tardelli. Foi falado semana retrasada que o Atlético tinha que pagar dívida do Tardelli. Só que o Tardelli foi vendido. Quero saber por que não foi pago quando foi vendido. Ele foi vendido por 5,5 milhões de euros, a dívida era de 3,5. Como era do meu tempo, aquilo me incomodou um pouco. "(A dívida referente ao) Maicosuel está na Fifa", mas emprestaram o Maicosuel pelo valor que eu comprei. E depois venderam o Maicosuel. São dois negócios. Cadê o dinheiro do Maicosuel? Eu deixei o Atlético muito equilibrado. Isso me incomoda, me incomodou muito. Falarem do Tardelli de 2013, sendo que (o Atlético-MG) devia 3,5 (milhões de euros) e ele foi vendido, dois anos depois, por 5,5. Ainda sobravam dois. O jogador estava pago. Mas quanto a falar da administração, falar qual é melhor, qual é pior, enfileira os canecos lá que é o que eu quero, é o que a torcida quer, é o que todo mundo quer. Aí vamos ver se foi bom ou for ruim.

(Procurado pela reportagem, Daniel Nepomuceno, o presidente na época das vendas de Tardelli e Maicosuel, explicou que as arrecadações foram usadas para quitar dívidas mais urgentes e, inclusive, para zerar débitos antigos. Daniel revelou, por exemplo, que pagou, na sua gestão, uma dívida do Atlético-MG com Cicinho, que saiu do clube em 2003. Sobre o dinheiro da venda do Tardelli, detalhou: "Foi vendido nas primeiras semanas da minha gestão. Naquele momento, a gente estava com toda a transição de gestão, estava com todas as contas bloqueadas e tivemos que pagar três meses de salários atrasados, o que é normal nas transições. Era dezembro, janeiro e fevereiro. O dinheiro foi usado para isso. E também na compra do Lucas Pratto, que foi vendido, anos depois, por um valor muito superior ao da compra").

De volta a Kalil...

- Eu peguei o Atlético (em 2008), e a arrecadação era de R$ 40 milhões por ano. Tinha R$ 19 mil em caixa, R$ 3 milhões em cheques pré-datados e quatro meses de salários atrasados. Se a PGR (Procuradoria Geral da República) não bloqueasse o dinheiro do Atlético, eu entregaria o Atlético com um faturamento de quase R$ 300 milhões por ano e com R$ 60 milhões em caixa. Tínhamos 181 títulos no cartório durante quase 20 anos. Deixei sem nenhum título no cartório, sem nenhuma dívida trabalhista. E montei um dos melhores times da história do Atlético. Então, futebol não é bem assim, não é uma coisa ou outra (austeridade ou títulos). O ciclo virtuoso nós construímos desde o final de 2011, 2012, 2013 e 2014. O meu jeito de administrar é futebol, futebol, futebol. Hotel cinco estrelas, voo fretado, sem economia. Se não bloqueiam o dinheiro do Atlético, porque fui obrigado a pagar R$ 60 milhões de imposto, o Governo Federal me obrigou a pagar com um dinheiro que eu tinha vendido um jogador (Bernard), eu teria deixado o Atlético com 60 milhões em caixa na semana que eu saí.

"O Atlético nunca foi comprador. O Atlético fabrica ou recupera"

- Se você escalar o time campeão de 2013, da Libertadores, eu comprei o Donizete por R$ 400 mil reais, em 10 parcelas de R$ 40 mil. Troquei 50% do Victor pelo Werley. O resto veio de graça. Essa nova geração que entrou, de dirigentes, compra jogador. O Atlético nunca foi comprador. O Atlético fabrica ou recupera. Na minha época, o Atlético fabricava jogador ou recuperava jogador. Esse timaço de 2013 o Tardelli veio, na primeira vez ele veio de graça, por uma dívida do Bruno. Jô veio de graça, Ronaldinho veio de graça. Bernard era do clube, Marcos Rocha do clube, Leonardo Silva veio de graça, o Réver eu paguei uma merreca, porque ele queria voltar da Alemanha. E assim foi construído o time.

O que você pode dizer para o torcedor do Atlético que está ansioso pelo estádio próprio? Você sabe o que falta para ele sair do papel?

- Eu nem sei o que falta, porque o estádio está no Estado. Não chegou nenhum papel na prefeitura. Quem está resolvendo a parte de documentação do estádio do Atlético é o governo do Estado, não é a prefeitura. Quando chegar aqui vai correr o trâmite.

Recentemente, você deu uma entrevista polêmica ao UOL e citou que "estádio de futebol é para rico". Você foi mal interpretado?

- Vou ter uma grande chance de explicar. Hitler era um assassino. Isso não é minha opinião, é uma constatação. Quando eu falo que "futebol é pra rico", não é o que eu quero, o que eu desejo ou o que eu acho. É o que é. A falta de conhecimento de futebol faz com que 80% da imprensa ache que aquilo é minha opinião. Provavelmente eles metem o crachá no pescoço e entram de graça num jogo da Champions League. Quem já foi para a Europa, para a Alemanha, para a Inglaterra, para a Itália ou Espanha, e comprou um ingresso, constatou que o futebol, no mundo inteiro, é coisa pra rico. Não é minha opinião. Isso é a falta de conhecimento, de propósito, de parte maldosa da imprensa. E eu acho graça. Eu não desminto porque acho que repercute tanto, me deixa tanto em moda no futebol, que eu deixo esses retardados pensarem isso. Não é o que eu penso sobre futebol. Hitler era um assassino. Não é minha opinião. Eu vi filme, vi documentário. Futebol é pra rico. "É o que você acha?". Não. É o que eu vejo no mundo inteiro.

- Assisti a uma partida de futebol americano, que nem é futebol, que tem o apelo do futebol só nos Estados Unidos, e paguei 600 dólares para assistir. "Ah, tem que ter torcida dividida". Me fala então onde tem, no mundo, torcida dividida. Você não cita lugar nenhum, porque não existe. Você vai em Londres, tem Arsenal e Chelsea, metade do Arsenal e metade do Chelsea? Na Alemanha é assim? Não é. Se a gente copiar o que deu certo no mundo inteiro, temos uma pequena chance. Falei que é muito difícil o Brasil ganhar uma Copa do Mundo. É o que eu desejo? Não. É porque miscigenou o futebol mundial. Acabou belga branco da cintura dura. Agora é negão forte, instruído, alimentado, com ginga, com balanço. Belga de olho azul só tem na arquibancada. Isso não fui eu que falei, isso eu vi. Não é o que eu desejo. Queria que a Alemanha continuasse com aqueles branquelos, que a França não tivesse um Pogba.

- Temos que pegar o futebol brasileiro e alimentar esses meninos, porque miscigenaram o futebol mundial, e com essa onda que teve agora de nova imigração, sedimentou essa miscigenação do futebol mundial. A época que o Garrincha fumava na concentração e ganhava Copa do Mundo acabou. Eu queria que futebol fosse de graça pra todo mundo, fosse 1 real o ingresso. Mas não é isso que acontece. Esses boçais que pegam maldosamente esse tipo de frase é porque conhecem muito pouco futebol. É uma diferença entre uma constatação e uma opinião. “Ah, tem jeito no Brasil ser pra pobre”? Tem. Não dá desconto para automóvel? Pra importação? Dá no ingresso. Subsidia os clubes. Ingresso é 300 reais? 250 o governo dá. É o que eu desejo. Queria que fosse assim, é minha opinião. Mas vou repetir: futebol é coisa de rico.

Na sua gestão, você teve o experiente Eduardo Maluf como diretor de futebol. Sérgio Sette Câmara tem apostado em diretores mais jovens, ex-jogadores sem vivência na função. O que você acha?

- Quem negociou jogador no Atlético fui eu. Ele (Maluf) podia estar ao meu lado, mas todas as contratações do Atlético foram feitas com a bênção do treinador, e a gente ia lá buscar o jogador. Cada um é um. Eu quero falar de tudo, menos da gestão atual do Atlético. Não tenho nada com isso. Não escolhi Marques, não escolhi Gallo, não fui consultado. Se fosse, não ia dar palpite. Estou afastado. Cada um acha uma coisa. Até porque eu saí tem muito tempo. Futebol já deve ter mudado e eu não estou sabendo.

O Atlético é candidato ao título brasileiro?

- Em 2012, o Fluminense não tinha o melhor elenco do futebol brasileiro e foi campeão brasileiro. Isso eu aprendi depois que eu saí. Futebol é uma engrenagem. Futebol é de fora para dentro. Tem a diretoria, tem o time, tem a torcida, e tudo tem que funcionar bem. Nós, atleticanos, sabemos que houve uma "SeleGalo" uma vez (1994). E deu no que deu (o time não vingou e foi desmontado). Eu acho que a engrenagem tem que funcionar bem. O melhor elenco não é (o do Galo). E o Brasil tem sempre 12 clubes candidatos. São 12. Agora, com a decadência de um ou dois cariocas, vamos aí para 10 que são concorrentes ao título.

Depois do Atlético, você foi o executivo-chefe da Primeira Liga, uma tentativa de unir os clubes e criar um espaço para que resolvam suas situações sem influência da CBF. A Primeira Liga não funcionou. Você ainda acha que é possível os clubes se unirem em prol de um futebol melhor para todos? Ou é uma utopia?

- Pela própria confusão que envolve a televisão (direitos de transmissão), pelo que a gente vê pela imprensa, eu posso fazer uma outra constatação: o Brasil perdeu a maior geração de dirigentes, juntos, que já passou nesse país. Era uma geração espetacular, com algumas exceções, que perdeu a oportunidade. Hoje, acho muito difícil. Nem com a televisão eles conseguem resolver.

Quando você deixou a presidência, disse que o Atlético "ganhou a vontade de ganhar e perdeu a vontade de perder". Você acha que o clube mantém essa essência? Tem medo que ela se perca pelo caminho?

- Eu acho cedo. Vamos esperar (o atual presidente) descer a rampa para a gente saber.

Guilherme Frossard - Globo Esporte

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