terça-feira, 17 de dezembro de 2013

O FUTEBOL BRASILEIRO EM UM ANO DE COISAS MIRABOLANTES

2013: o ano em que o bom senso saiu de férias

O bom senso passou longe do futebol brasileiro em 2013 
 
O bom senso passou longe do futebol brasileiro em 2013

Trivela / UOL
 
 
Não foi por acaso que o Bom Senso FC, movimento dos jogadores para tentar racionalizar um pouco o futebol brasileiro, tenha sido criado em 2013. Porque o ano que acaba daqui a duas semanas viu mortes, violência nos estádios, virada de mesa, maratonas de jogos e regulamentos tão esdrúxulos que poderiam ter sido idealizados há décadas, quando a sensatez era de fato artigo de luxo.
O rebaixamento da Portuguesa no lugar do Fluminense por uma tecnicalidade jurídica é apenas o último episódio de uma série de comédia trágica que começou em Oruro, na Bolívia, com a morte do menino Kevin Espada, na partida da Copa Libertadores entre Corinthians e San José.
O que aprendemos com Oruro? Nada
Torcida corintiana em Oruro (Foto: Daniel Augusto Jr./Agência Corinthians)
Torcida corintiana em Oruro (Foto: Daniel Augusto Jr./Agência Corinthians)

O sinalizador que saiu da torcida do Corinthians e encerrou a vida de Kevin Espada, 14 anos, resultou em uma rigorosa punição ao Corinthians de jogar o restante daquela Libertadores com os portões fechados. Durou uma partida. Nem isso, já que quatro “cidadãos de bem que brigam pelos seus direitos” sentiram o dever cívico de buscar uma liminar para entrar no Pacaembu contra o Millonarios.
Há aquela lenda que as coisas só mudam quando alguém morre, mas essa tragédia, rigorosamente, não teve nenhum efeito prático. Não causou uma discussão séria sobre a relação entre clubes e torcidas organizadas, não melhorou a segurança nos estádios, sequer coibiu a violência nas arquibancadas. Afinal, a mesma torcida do Corinthians foi reincidentemente punida por atos de vandalismo, inclusive protagonizados por homens que estavam entre os 12 presos de Oruro.
Quem disse que não evoluímos?
O São Paulo jogou quatro vezes em oito dias. Cansa, né, Osvaldo? (Crédito: AP Photo/Juan Karita)
O São Paulo jogou quatro vezes em oito dias. Cansa, né, Osvaldo? (Crédito: AP Photo/Juan Karita)
Em 11 de dezembro de 1994, o Grêmio entrou em campo três vezes pelo Gaúchão, então não dá para dizer que as quatro partidas que o São Paulo disputou em um período de oito dias não representam uma evolução. Essa bizarrice voltou a acontecer porque o clube do Morumbi foi excursionar pela Europa, com o aval da CBF, para ganhar um troco. Acabou sobrando para o Náutico, que jogou na terça contra o São Paulo, na quinta-feira contra o Vasco e no domingo contra o Corinthians. O time pernambucano cairia do mesmo jeito, mas não precisava dessa ajudinha.
Explica direito esse regulamento
Marco Polo Del Nero (à esq.), presidente da Federação Paulista, e José Maria Marin
Marco Polo Del Nero (à esq.), presidente da Federação Paulista, e José Maria Marin

A CBF soltou um calendário tão apertado para 2014 que poderia ser confundido com um vagão de metrô na hora do rush.  Foram tão poucos dias de férias previstos que os jogadores se reuníram para formar o Bom Senso FC e brigar por algo um pouco mais racional. O foco era a redução da extensão dos estaduais, com 23 datas previstas para o ano que vem, no caso do Paulista, pelo menos.
Se os resultados não foram satisfatórios, e a CBF ainda reluta em discutir seriamente com o movimento, pelo menos o estadual de São Paulo foi reduzido para 19 datas em 2014, mas não há almoço de graça. A fórmula foi totalmente modificada e agora são quatro grupos de cinco clubes que jogam apenas com os times das outras chaves. Dois se classificam em cada e fazem quartas de final. Tenta explicar isso para um marciano.
Bem-vindos à selva
Torcedores do Atlético Paranaense e do Vasco brigaram nas arquibancadas da Arena Joinville
Torcedores do Atlético Paranaense e do Vasco brigaram nas arquibancadas da Arena Joinville
Ficamos desacostumados a ver cenas de violência nos estádios. Nos últimos anos, os idiotas brincavam de Clube da Luta nos arredores ou até mesmo em avenidas distantes do jogo de bola. Não mais. A tragédia que se desenhou, por exemplo, no enfrentamento entre torcedores do Vasco e do Corinthians no Mané Garrincha confirmou-se na última rodada entre o clube carioca e o Atlético Paranaense. A ausência repentina da Polícia Militar e a metafórica da segurança privada contribuíram para o comportamento animal das torcidas em Joinville, que fariam até um leão enrubescer de vergonha.
Vamos, mais uma vez, usar um marciano de cobaia. Será que ele consegue entender que a punição por essa briga, que deixou três pessoas em coma e aconteceu em Joinville porque o Atlético havia perdido um mando de campo, foi a perda de mais 12 mandos de campo para o clube paranaense? Afinal, uma determinação que funcionou tão bem da primeira vez deveria mesmo ser repetida, certo?
Se a mesa não virar, olê, olê, olá, eu não jogo a Série A
Torcida em julgamento, da Lusa e do Fluminense: outro sinal de que o Bom Senso foi passear em 2013 e ainda não voltou (Foto: UOL)
Torcida em julgamento, da Lusa e do Fluminense: outro sinal de que o bom senso foi passear em 2013 e ainda não voltou (Foto: UOL)

Ainda está pouco claro como o chuchu entrou nessa história, mas o inofensivo vegetal não foi um argumento forte o suficiente para absolver a Portuguesa de perder quatro pontos pela escalação irregular de Héverton contra o Grêmio. Com essa decisão, que ainda pode ser revertida no Pleno do STJD, o Fluminense, que entrou de gaiato no navio, escapou – pela terceira vez – de entrar pelo cano e jogar a segunda divisão ano que vem.
A virada de mesa, fruto de um parecerer que privilegia a tecnicalidade em detrimento da bola rolando, foi o ato final de uma temporada marcada pelas férias do bom senso. Até, de certa forma, em um sentido mais literal. Porque o movimento que assim se denomina comentou a violência em Joinville com uma frieza constrangedora e, exceto por uma crítica solitária de Paulo André, calou-se a respeito do tapetão que vai acabar salvando o Fluminense da Série B.
O zagueiro, um dos líderes, argumenta que o Bom Senso está focado em duas bandeiras: um calendário menor e um plano de responsabilidade financeira para os clubes. Nem nelas está conseguindo avanços significativos e a possibilidade de greve ano que vem é real. Haveria também uma chance grande de racha no grupo, que tem jogadores da Portuguesa e do Fluminense. No entanto, se o resultado em campo está ameaçado por advogados engravatados e decisões legalistas, o resto não se torna um pouco irrelevante?

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